quinta-feira, 2 de abril de 2009

POLÍTICA EM VERSO (15) - Zezão - 29-11-1923.

Desgraçado do velhinho
Que ninguém dele tem dó!
Ninguém lhe dá o cavaquinho!
Coitado! Deixam-no só!

Se fala no parlamento,
É como a voz no deserto…
Infligem-lhe esse tormento,
Ninguém o ouve! Isto é certo!

E se lhe escutam, acaso,
Da eloquência o torresmo,
É só para o porem raso,
Com insultos mil, a esmo…

Outro dia, se o toutiço,
Do ouvido não me enferma,
Alguém lhe disse «ora isso!
Cala a boca, seu palerma!»

Deixa-se o triste cair
No sofá desanimado…
E todos se põem a rir
Dum dito tão desalmado!

Não perde, porém, o alento!
D’ousadia num requinte,
A falar, no parlamento,
Volta no dia seguinte.

Leva um discurso estudado
Contra o Cunha Desleal
Onde há o tropo inflamado,
Que declama menos mal.

Mas, oh céus! O Senhor Cunha
Nem importância lhe dá!
E os outros gritam: «Á unha!
Salta velhinho p’ra cá!»

A todos numa berrata
Num clamor que sempre engrossa:
- Vai, já, já, meu patarata
Prantar couves p’ra Caroça!

- Abandonado de todos,
Ai! Que sorte Deus me deu!
Fartos desgostos a rodos…
É um inferno o viver meu!...

Como a Ofélia, contristada
E cheia de desalento,
Vou-me passar à privada
No mais escuro convento…

E, quando alguém se lembrar
Do que fui, do que sou eu,
Há-de dizer, a chorar;
- Pobre Velhino! Morreu!...

Tem razão, o infeliz!
Tudo lhe salta na pele
E tudo dele mal diz…
Como eu tenho pena dele!!!

Mas chorar?...É-me vedado
Aceder ao seu desejo!
Eu não fui contemplado!
Se o fosse… isso era queijo!
Zezão