Há cerca de 400 anos, um conhecido escritor português da época barroca dizia o seguinte: “para falar ao vento bastam palavras, mas para falar ao coração são necessárias obras”.
Na verdade, graças aos missionários católicos portugueses, de entre os quais este conhecido escritor, Pe. António Vieira, o Brasil nomeia-se actualmente como nosso país-irmão, não só porque está unido numa mesma cultura, génese, fé ou língua… mas também porque partilha uma mesma identidade artística: o barroco.
Por isso, neste momento procedemos à abertura do I Congresso Luso-Brasileiro do Barroco, no contexto da celebração do duo-centenário do Santuário do Bom Jesus do Monte, uma obra construída outrora, especificamente, para falar ao coração do Homem.
O programa está elaborado e será enriquecedor para compreender um fenómeno artístico de importância única. Os oradores irão especificar pormenores característicos que permitirão um conhecimento mais adequado dum movimento que enriqueceu Portugal com obras idênticas no dinamismo estrutural mas diferentes pela sua contextualização. A comparação com as matizes brasileiras dará uma noção mais exacta duma riqueza patrimonial que nos responsabiliza perante o mundo.
Em Braga, apelidada de “Capital do Barroco”, queremos recordar o trabalho invulgar do Arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles que patrocinou variadíssimas iniciativas e, dum modo particular, encarregou o arquitecto e engenheiro Manuel Pinto de Vilalobos em 1722, para elaborar um plano geral que numa sequência perfeitamente ordenada deveria permitir uma autêntica devoção popular onde os fiéis percorressem os passos dolorosos de Cristo para participar na responsabilidade de edificar uma “Jerusalém restaurada”. O núcleo central deste itinerário catequético seria colocado num majestoso santuário, cuja última pedra terá sido colocada em 1811. Daí que, num Congresso que envolveu a região, queiramos também evocar os 200 anos deste Santuário, onde a espectacularidade do conjunto das suas formas nos permite classificar o Bom Jesus do Monte como pérola que emergiu da cultura barroca.
Conhecer o passado e elogiar quem acreditou na capacidade de o edificar, legando-o ao futuro, não pode ser um mero acto cognoscitivo sem repercussões pessoais e instituições. Somos, aqui e agora, passado que tem um presente e deve ter um futuro. Urge, por isso, não permanecer na dimensão fria duma arquitectura ou escultura a que a natureza envolvente lhe dá outro esplendor e majestade. Importa descobrir as verdadeiras motivações daquilo que nos empolga. Não foram, com toda a certeza, a vaidade de copiar o que estava na moda e ufanar-se de possuir algo idêntico. Tudo nasce duma força interior que sintetizarei no amor a uma causa para bem (aqui espiritual) de toda uma região. As dificuldades devem ter sido imensas mas a paixão que envolveu vontades tudo ultrapassou.
Depois dos primeiros amantes desta jóia, muitos benfeitores se sucederam, os quais, no anonimato ou na galeria sempre incompleta, deram corpo e preservaram o tesouro com o primeiro amor que motivou.
Pode parecer inoportuna esta breve referência histórica, quando teria tantos outros pormenores a sublinhar. Acontece, porém, que a chamada modernidade habituou-se a delegar responsabilidades sem compromisso de pessoas e instituições. Se é importante analisar facetas relevantes, não podemos esquecer os protagonistas e, particularmente, o espírito que os moveu.
Recordando esta perspectiva, a não esquecer, penso que as conclusões deste Congresso poderiam recordar a urgência de criarmos uma mentalidade de corresponsabilidade em tornarmos vivos os monumentos religiosos que os antepassados edificaram. E porquê? Porque como afirmava Miguel Ângelo (pintor e escultor), “a verdadeira obra de arte é apenas uma sombra da perfeição divina.” Essa sombra divina que esteve na origem da luminosidade humana deste Santuário.
Com efeito, ninguém ignora como é reduzida, mesmo com a generosidade de muitos fiéis, a identificação de mecenas para estas causas. No caso concreto, importa criar condições para que sejam muitos a amar o Bom Jesus e tantos outros espaços sagrados, de modo que continue a ser o que sempre foi. São muitos aqueles que exigem e reclamam condições para poderem usufruir de espaços maravilhosos; são poucos os que se comprometem e lutam com as suas capacidades e talentos, de grande ou exígua dimensão, para tornar a beleza deste local mais atractivo. O património enriquece a natureza e poderemos ser referência nos itinerários ou produtos turísticos que oferecemos a crentes e não crentes. A propósito, trago agora à memória o discurso de Paulo no areópago Atenas, que começou a falar aos gentios, precisamente, a partir de uma obra de arte dedicada “Ao Deus desconhecido” (cf. Act 17,23).
Não obstante, penso que este Congresso deverá chamar a atenção da comunidade para que manifeste o seu amor – e esta é a palavra exacta - a toda a Instância. Os antepassados eram mais ousados. Alguns poderiam ser mais privilegiados pela fortuna. Outros davam do pouco que tinham. Hoje só um sinal colectivo que envolva a comunidade civil e religiosa poderá permitir o esplendor que o Bom Jesus já teve. A sua completa restauração permitirá que muitos mais o procurem deixando também eles o seu sentido de corresponsabilidade!
Peço desculpa por esta saudação a todos os Congressistas, portugueses ou estrangeiros, de Braga ou de qualquer canto do país. Saibam que os acolhemos com muita alegria, orgulho e carinho! Deste modo, façamos com que o Congresso suscite esta mentalidade capaz de ultrapassar o que parece impossível, mas que a história assim o exige.
E se é verdade que não conseguimos esconder o desejo de elevar este Santuário do Bom Jesus a Património da Humanidade, antes disso, é preciso que ele se eleve primeiro a Património Espiritual no nosso coração!
20 de Outubro de 2011,
† Jorge Ortiga, A.P.