sexta-feira, 21 de outubro de 2011

HISTORIADOR DEZFAZ MITO DO OURO DO BRASIL

autor José Paulo Silva

O historiador Aurélio de Oliveira contestou ontem, no Bom Jesus, na primeira comunicação científica do Congresso Luso-Brasileiro do Barroco, a ideia presente em muitos manuais de História de que a produção artística barroca em Portugal está intimamente associada às remessas de ouro do Brasil.
Presidente da comissão científica do congresso, este professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto refutou, de forma clara, “a ideia geral que corre e que se tem, consubstanciada no binómio Barroco = a ouro do Brasil”. Pelo contrário, Aurélio de Oliveira evidenciou que “uma larguíssima fatia da produção barroca passou ao lado desse recurso directo”, mesmo no auge da entrada de ouro brasileiro em Portugal, no século XVIII.
O historiador disse não ter encontrado vestígios do ouro do Brasil nas obras espectaculares realizadas em Tibães e noutros mosteiros e destacou que a produção artística da Mitra e Cabido da Sé de Braga foi financiada pelas rendas fundiárias.
Ao Bom Jesus do Monte também não terão chegado grandes donativos relacionados com o ouro ou diamantes do Brasil. Aurélio de Oliveira, na comunicação inaugural do congresso que decorre até amanhã, valorizou o quadro de “homenagem aos lavradores da Província” que financiaram obras no santuário cujo templo principal foi concluído há precisamente 200 anos.
José Viriato Capela, da Universidade do Minho, foi outro dos historiadores convidados para o primeiro temário global do congresso, que incidiu sobre a economia e sociedade do Barroco. Na sua intervenção, Viriato Capela demonstrou de que forma “o intenso pulsar da vida religiosa e social, comercial e construtiva” da Braga do século XVIII se estendeu ao Bom Jesus.
“O monumento repercute em si como nenhum outro pela sua complexidade e extensão os desenvolvimentos, vicissitudes, as tensões da política e sociedade portuguesa e bracarense”, defendeu.
Idade de ouro em Braga
Também da Universidade do Minho, Miguel Bandeira apresentou aos congressistas a investigação que tem vindo a realizar sobre a evolução da morfologia urbana de Braga.
Segundo este especialista em geografia e ordenamento, “o urbanismo barroco local deixou as suas marcas na cidade actual”.
Segundo Miguel Bandeira, o Barroco constitui uma “idade de ouro em Braga”.
Várias das 50 comunicações que farão parte das actas do Congresso Luso-Brasileiro incidem sobre o Bom Jesus, reconhecida ‘jóia’ do Barroco em Portugal.
Maria do Carmo Pinheiro e Silva Cardoso Mendes apresentaram “sentimentos e representações” de Camilo Castelo Branco sobre o santuário. Os autores procuraram “demonstrar que as memórias camilianas do Bom Jesus correspondem ao sentido completo do turismo religioso que o escritor reforça na reiteração do conceito de romagem”.
Recordar os memorialistas
José Carlos Gonçalves Peixoto, mesário da Confraria do Bom Jesus, apresentou, por seu lado, uma lista dos memorialistas do Bom Jesus do Monte.
Segundo este estudioso, “a produção dos memorialistas é significativa para a história local na medida em que nos legaram um vasto manancial de fontes que facultam riquíssima pesquisa sobre a memória regional”.
Ontem, José Carlos Peixoto recordou “alguns autores de textos, citações, caudais de palavras e ideias” que podem ser “referências importantes para quem se interessar pela história, arte, património e pela devoção ao Bom Jesus do Monte.
O mesário do Bom Jesus lembrou ontem que, nos últimos onze anos, foi realizado um trabalho de inventariação da documentação da Confraria. “Neste momento dispomos de um arquivo, cuidado, inventariado, com documentação variada, verdadeira memória do passado, desde actas (a partir de 1722), estatutos da confraria, alvarás, inventários, breves, provisões, termos de entradas de irmãos, algumas plantas e projectos, livros de despesa e receita, legados, e outros”.
Bom Jesus património mundial precisa de mecenas
O arcebispo de Braga e o presidente da Confraria do Bom Jesus do Monte solicitaram ontem o apoio de mecenas para a reabilitação e conservação do santuário que se pretende candidatar a património da humanidade. Na abertura do Congresso Luso-Brasileiro do Barroco, D. Jorge Ortiga afirmou que “só um sinal colectivo que envolva a comunidade civil e religiosa poderá permitir o esplendor que o Bom Jesus já teve”.
João Varanda, em nome da Confraria que organiza o congresso, apelou também ao empenho de instituições públicas e privadas na reabilitação do Bom Jesus do Monte.
Segundo o presidente da Confraria, o congresso que reúne cerca de 400 pessoas constitui “o início de um longo processo de candidatura a património mundial da UNESCO”, objectivo que deverá ser partilhado por instituições como a Câmara de Braga, a Universidade do Minho e a Universidade Católica Portuguesa.
João Varanda destacou que o santuário, jóia do barroco bracarense, é um “espaço único e irrepetível” cuja reabilitação apresenta “desafios enormes”.
“Ninguém ignora como é reduzida, mesmo com a generosidade de muitos fiéis, a identificação de mecenas para estas causas. No caso concreto, importa criar condições para que sejam muitos a amar o Bom Jesus e tantos outros espaços sagrados, de modo que continue a ser o que sempre foi”, insistiu o arcebispo de Braga, segundo o qual “as conclusões deste congresso poderiam recordar a urgência de criarmos uma mentalidade de corresponsabilidade em tornarmos vivos os monumentos religiosos”.
D. Jorge não escondeu “o desejo de elevar este santuário a património da humanidade”, mas defendeu que, “antes disso, é preciso que ele se eleve primeiro a património espiritual”.
Centro internacional do barroco
Empenho na candidatura a apresentar à UNESCO foi assumida também pelo presidente da Entidade Regional de Turismo Porto e Norte de Portugal, Melchior Moreira. Este responsável defendeu a projecção de Braga e do Bom Jesus como “centro internacional da arte barroca”.
Nesse sentido, o vice-presidente da Câmara de Braga, Victor Sousa, destacou o santuário do Bom Jesus como “activo turístico importante”.
António Magalhães, edil de Guimarães veio à abertura do congresso luso-brasileiro enquanto presidente da associação Quadrilátero Urbano, destacar o “patamar de excelência de Braga no que toca ao barroco” e o empenho da associação que junta os municípios de Braga, Guimarães, Barcelos e Famalicão em apoiar iniciativas de valorização deste território.
O Congresso Luso-Brasileiro do Barroco reúne 50 comunicações de estudiosos portugueses e brasileiros.
A mesa da Confraria do Bom Jesus espera que a reunião científica dê mais sustento à candidatura a património, um desafio que João Varanda entende dever ser partilhado “pela elite intelectual” da cidade.
O dossier a apresentar à UNESCO deverá demorar um a dois anos a ficar concluído.

Artigo publicado no Correio do Minho de 21 de Outubro de 2011