domingo, 9 de outubro de 2011

ENCONTRO DOS ANTIGOS ALUNOS DO SEMINÁRIO DE BRAGA, CURSO DE 1961/62

2011-10-09 - ENCONTRO
2011-10-09- ENCONTRO 1

DISCURSO PARA ENCONTRO DOS ANTIGOS ALUNOS DO SEMINÁRIO DE BRAGA, CURSO DE 1961/62, PROFERIDO EM 8 DE OUTUBRO DE 2011 NO AUDITÓRIO VITA

Começo por dar, formalmente, as Boas Vindas, à mesa, ao Sr. Bispo D. Antonino Eugénio e a todos os presentes, pois particularmente já tive o prazer de o fazer e de cumprimentar todos e cada um.
Quero agradecer a presença de todos os condiscípulos e seus familiares, mas, de modo particular, as convidados e a Direcção dos Antigos do Seminário. Convidamos 21 professores, prefeitos e directores espirituais. Alguns não puderam estar presentes mas enviaram cartas muito elogiosas sobre esta iniciativa.
Regressamos a Braga (vulgarmente conhecida por Roma Portuguesa, Cidade dos Arcebispos, Cidade Barroca, Cidade Romana, Capital do Minho, Cidade dos três Sacro-Montes, Bracara Augusta), uma das mais antigas cidades portuguesas, fundada no tempo dos Romanos, contando com mais de 2 000 anos de história e possuindo181 819 habitantes no seu concelho (I.N.E, censos de 2011).
Regressamos ao Seminário Menor, também conhecido por Seminário de Nossa Senhora da Conceição, ou antigo Recolhimento de S. Domingos da Tamanca, com origem no primeiro quartel do século XVIII, quando em Braga se estabeleceram duas piedosas mulheres calçadas de tamancas.
Meio século depois voltamos ao mesmo local, quando no mês de Outubro de 1961, entramos no Seminário Menor, da famosa e inesquecível Rua de S. Domingos, onde tudo começou.
Recordamos aqueles meninos, com 10, 11 ou 12 anos, jovens de tenra idade, à descoberta de si próprios e em busca do mundo, vestidos de fato preto, camisa branca, gravata, colete e chapéu. Alguns sozinhos, outros acompanhados por familiares ou pelo pároco, com uma mala de cartão, um baú carregado de enxoval e uma mente a fervilhar em sonhos.
Pessoalmente lembro-me daquele dia em que, acompanhado de meus pais, de duas tias solteiras e minhas benfeitoras, de uma mala e de um baú, me assustei ao ver tantos meninos vestidos de preto.
Lembro-me quando me despedi de alguns tios que abandonaram o campo e vieram despedir-se com uma lágrima no olho e dos amigos da primária que vieram despedir-se mas nem me deram um abraço com receio de me sujarem o fatinho preto ou amarrotarem o chapéu enfiadinho na cabeça.
Lembro-me daquele dia em que deixei a minha terra pela primeira vez. Quando o autocarro deixou a aldeia e logo senti a distância, a saudade e o silêncio das ruas e caminhos, dos homens e mulheres que passavam indiferentes no percurso do autocarro. Recordo que olhava pela janela do autocarro, escondido entre a esperança e a ansiedade.
Nesta «retrospectiva de vida», chamemos-lhe antes Viagem ao Passado, que, desta vez, neste momento, se aprofunda e intensifica, onde os pensamentos trazem à mente uma reflexão sobre os anos que passamos nesta instituição. Passa um grande intervalo de tempo, entre a vivência do seminário e o relato que vou procurar fazer dessa experiência. Espero que a memória não me atraiçoe. Vamos fazer uso do estreito limite da “memória” como registo do passado e como um documento da passagem pelo seminário. Qualquer reflexão sobre essa passagem deve ser entendida à luz da época. O clima do seminário, retrata o clima do país nos anos 60. Não tenho, por isso e de todo, a mesma leitura que Foucault e Virgílio Ferreira, em Manhã Submersa, têm dos seminários, como locais de repressão e de denegação da identidade.
Cada um de nós poderia construir a sua novela, cada um de nós tem uma história diferente, um contar diferente e um sentir diferente. Cada um de nós tem algo e muito a dizer. Não pretendemos, agora, ser um guardador de memórias, mas, apenas, recordar aqui algumas breves percepções e histórias sobre um percurso colectivo. Procuramos trazer, para o tempo presente, algumas ideias que, por terem sido marcantes e por ordenarem vivências, relatam factos, experiências, situações, atitudes, testemunhos e interpretações pessoais, que devem ser considerados um privilégio. As recordações são activas. Por isso, a riqueza deste lugar, deste Seminário, também é a riqueza do homem, que a imaginou, lhe deu forma e desenvolveu. Passamos, agora, a descrevê-la:
- A ideia de seminário como um edifício austero, de linhas direitas, corredores enormes, com grandes salões, com dormitórios (conjunto de camas todas iguais e dispostas geometricamente), ficando sob constante vigilância, onde o silêncio das paredes é quase sepulcral, onde vivem homens com mentalidades fortes, que tentam, a todo custo, formar os pequenos homens que ali chegam, alegadamente com vocação;
- As eternas filas, ou forma como se denominavam então, dispostas por tamanhos, sempre rígidas, uns sempre à frente, outros sempre à retaguarda. Naquela época, em que o tempo era lento, as filas não se destinavam ao atendimento, mas para organizar o funcionamento da instituição. Eram filas para a capela, para o refeitório, para o recreio, para o dormitório, para passeio. Enrolado nessa multidão silenciosa, subindo escadaria, percorrendo corredores, surpreendidos, por vezes, por um prefeito quieto, de mãos escondidas nas mangas do viatório. Recordo as filas em direcção à Catedral que atravessavam a cidade e eram alvo da curiosidade e, por vezes, do sarcasmo, dos bracarenses;
- Muita juventude vivia nesta casa, mas os corredores pareciam desertos, apetecia brincar, mas nem para o lado se podia olhar. O ambiente cinzento, triste e severo balançava com a irrequietude, a generosidade e o sonho de cada um;
- Os horários rígidos, dos rituais em vigor e das regras que raramente contemplavam excepções. Os recreios e os jogos (o beto, por exemplo) muito desejados e libertadores de muita energia contida;
- Os passeios às 5.ªs feiras e Domingos ora para o antigo Seminário do Espírito Santo, ora para o Campo de Futebol do Colégio de S. Caetano; ora para o antigo Parque do Estádio 28 de Maio, ora para o Picoto;
- A ementa repetida semanalmente, com destaque para a farinha de pau à segunda-feira;
- A Boa Educação, de que somos, hoje, penso eu, exemplos para a sociedade. Aquilo que somos, em parte devemos a esta instituição;
- O tipo de ensino e os métodos usados na sala de aula. A palmatória e a relação afectuosa com o professor. Os métodos dedutivos, expositivos, sabatinas, recurso à memória, típicos da época. No entanto, julgo que adquirimos bons hábitos e métodos de estudo. Os bons professores e os professores assim-assim. Os professores que sabiam muito mas não sabiam explicar e os professores que sabiam menos, mas tinham habilidade para ensinar.
A distinção, ainda actual, que se fazia entre educação e instrução. Educação (distribuída pelas áreas de Piedade, Disciplina, Civilidade e Aplicação) e Instrução (as disciplinas propriamente ditas). Discutível era a atribuição de notas à Piedade, Disciplina, Civilidade e Aplicação);
- As relações humanas como pedra de toque entre as pessoas, mas devidamente acautelada e vigiada pelos superiores. Diria que a «nossa amizade nasceu nesta casa;
Pela minha mente desfilam, agora, além dos condiscípulos (companheiros de sofrimento e de alegrias), que o Senhor chamou, bem como reitores, professores, prefeitos, confessores, directores espirituais, funcionários do seminário, colegas e professores falecidos. Permitam-me, apenas, nomear os colegas falecidos: Pe. Agostinho Manuel Amoedo Afonso, Pe. Joaquim Pereira Fernandes Lima, Albano Matos Fernandes, Alberto Araújo da Mota, António Alves, Firmino Fernandes Marques de Matos, Flávio Besteiro Alves, João Manuel Fernandes, Joaquim Imperadeiro Martins, Joaquim José Fernandes, José Alberto Ferreira Salgado Abreu, José Amaro Machado Arantes, José Augusto Gonçalves Barbosa, José Luís Gonçalves Sousa Macedo, José Manuel Araújo Lima, José Martins Malta, Manuel António Freitas de Oliveira, Manuel de Castro Fonseca, Manuel Gualdino de Carvalho, Vasco da Costa Moreira.
Também queria, agora, recordar o Padre José Marques Ribeiro que, em 15 de Agosto de 1968, deu a sua vida, na Amorosa, por um dos nossos Condiscípulos, o Gualdino.
Este curso tem um lugar na História dos Seminários. Em 16 de Junho de 1969, todos os alunos do 3.º ano de Filosofia, protestaram contra o modo como o poder era exercido no Seminário de Santiago. Penso que o Sr. Arcebispo, de então, encontrou nesse gesto e nas reivindicações exigidas um pretexto para introduzir as reformas que, então, os seminários careciam.
Nesta casa e nas outras por onde passamos, encontramos, certamente, as bases, os sólidos alicerces com que se constrói uma vida. Alguns ofereceram a sua vida ao sacerdócio, outros, a maioria à vida laical. Uns e outros deram e dão testemunho do humanismo integral e dos valores fundamentais do ser humano.
Para assinalar este meio século de história, elaboramos um programa muito rico, em nossa opinião, do qual destaco:
- a exposição (verdadeira viagem ao passado),
- hino do curso,
- cunhagem da moeda,
- atribuição de bolsas de estudo,
- sessão solene.
No embalo desta comemoração, iremos, ainda, publicar uma revista intitulada «pedaços de vida».
Tudo isto só foi possível graças ao dinamismo da Comissão Organizadora, da qual sobressai o colega Manuel Domingos. Deve-se a este nosso condiscípulo a concepção, o desenvolvimento e a concretização deste encontro. Os restantes, nos quais me incluo, foram meros colaboradores, por isso, para o Manuel Domingos solicito uma salva de palmas como forma de agradecimento.
Nesta sessão solene, vamos ter um momento musical com o nosso condiscípulo Nuno Quesado; a leitura da acta n.º 18, referente ao encontro ano anterior; um momento de poesia com Teresa Moreira, Ana Isabel Cunha da Silva e Silva Araújo; uma intervenção do colega Manuel Domingos; a distribuição da medalha comemorativa e recordações.
Mais uma vez, muito obrigado por me escutarem e faço votos que todos nos encontremos, por muitos e bons anos.