terça-feira, 27 de maio de 2008

«O Mocho» De Tibães e « O Problema de Deus » (7)

Outro livro repetidamente lido foi O Problema de Deus de Diamantino Martins, Sacerdote Jesuíta, editado pela extinta Livraria Cruz de Braga em 1956.
António Gonçalves inicia os seus comentários a este livro pelo prólogo, pois o autor refere «este livro, embora perigoso, pode ser lido por todos». Comenta o habitante de Tibães: segundo um velho ditado, presunção e água benta, cada qual toma a que quer… não nos mete medo este perigo, o que de facto desejamos é encontrar Deus, sem lhe poder fugir.
Em minha opinião, António Gonçalves faz, nas margens deste livro, observações muito profundas. Segundo António Gonçalves o Génesis diz que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, e Cristo ao ensinar-nos que Deus é o nosso supremo Pai, o «único» a quem devemos dirigir as nossas orações, dão testemunho de que existe entre Deus e o Homem um inegável parentesco espiritual, uma verdadeira afinidade entre o Criador e a Criatura. Ainda no prólogo faz outros comentários: substitui a expressão «há-de vir a cair um dia» por «poderá vir a cair um dia» e acrescenta à frase de Diamantino Martins «é um mistério incompreensível a passagem do finito para o infinito», nem o infinito pode caber no finito, nem Deus pode caber nas premissas de um silogismo. Mais à frente Dimantino Martins escreve «Deus oculta-SE», reage A. Gonçalves desta maneira: se Deus se oculta, como podemos encontrá-lo? Não será possível iludirmo-nos, quando pensamos falar-lhe? Não. Pelo contrário, Deus revela-se misteriosamente à humanidade e é dessa revelação confusa que procedem as religiões. Corrige algumas palavras do autor: controle por comprovação e, logo a seguir, necessariamente por habitualmente.
Quando no livro se lê «Tudo vem de Deus, tudo vai para Deus» ele aprofunda «tudo vem do Nada pela vontade criadora de Deus. O que for desnecessário ao desígnio divino, ao Nada voltará. Só terá a vida eterna quem amar a Deus sobre todas as coisas e cumprir como puder a vontade divina».
Relativamente ao último parágrafo do prólogo, escreve que embora haja aqui exagero, é certo que o conhecimento, implicando uma assimilação espiritual, aumenta e transfigura o ser que conhece e assimila.
Quando na página 61 se lê «Como Deus é a causa do Universo…», ele observa: Deus, causa do universo, é uma maneira de falar. Há um nexo de necessidade entre a causa e o efeito. Ora o Universo é contingente; e, se existe é somente por vontade graciosa de Deus. Em vez de dizermos que Deus é causa do Universo, melhor será dizermos que Ele é o criador e conservador da natureza, que só existe pela sua graça e pela sua vontade.
A cultura vasta de António Gonçalves permite-lhe todos os relacionamentos. Quando na página 64, Diamantino Martins exprime «Tudo se tornava compreensível para o pequenito…», , ele aconselha a ler a Teoria do Conhecimento de J. Hessen, página 107. Quando na página 70, Diamantino Martins alude a Paul Claudel, António Gonçalves acrescenta que Claudel rendeu-se ao catolicismo pelo coração antes de se render pelo intelecto.
Na página 81, Comenta duas afirmações:«Deus, termo lógico de um silogismo existencial…dois problemas fundamentais temos de separar, aceitação e justificação». Relativamente à primeira afirmação, conhecer a existência de Deus mediante um silogismo não equivale a conhecê-lo intuitiva e imediatamente como presença pessoal? A escolástica medieval fazia da fé em Deus a premissa maior de muitos silogismos que aceitavam como certa a existência de Deus. A filosofia moderna é mais escrupulosa nesses pontos. Quanto à segunda, vemos o mundo e vemos o nosso corpo, mas a Deus não o vemos… Só as almas ingénuas podem aceitar directamente a existência de Deus, sem qualquer intervenção do próprio entendimento.
A propósito da afirmação de Diamantino Martins, na página 84, «Ao instituirmos a reflexão filosófica encontramo-nos com o outro em nós, com o Mundo e com Deus». Questiona A. Gonçalves, quem é esse «outro» com quem nos enconramos, a não ser o género humano? Ninguém jamais viu a face de Deus. Quando tão altos espíritos coo Santo Agostinho e Unamuno proclamam a sua fome de Deus, é legítimo duvidar de que deveras O tenham encontrado. Se o tivessem encontrado, sentir-se-iam saciados.