Artigo publicado no Diário do Minho de 30 de outubro de 2012.
Vai ser apresentado, no próximo sábado, aos órgãos de comunicação social, o telescópio do Bom Jesus, vulgarmente conhecido pelo «canudo», depois de longo período de inatividade e de um processo exigente de restauro, devendo-se esta iniciativa à atual Confraria do Bom Jesus do Monte e, sobretudo, ao empenho do seu presidente.
Mudam os tempos e as vontades, mas há locais, objetos, situações e fatos históricos que merecem ser recordados de geração em geração. Quando pensamos em lugares, verdadeiros ou imaginados, começamos a pensar que objetos sobrevivem desse espaço, sobre os quais podemos contar histórias, impressões e memórias pessoais. Um desses objetos, que integram o imaginário da estância, é o reabilitado monóculo, símbolo carismático do Bom Jesus do Monte, que sempre permitiu alcançar o manto verde da planície do Cávado e uma vista feérica sobre a malha rural e urbana, convite ideal para a observação, encontro, fruição, repouso e um retiro revitalizador de corpos e mentes, longe do bulício da cidade dos três sacro-montes.
Temos conhecimento da oferta de um telescópio ao Bom Jesus do Monte, algures em 1862, colocado num miradouro no lado norte do Adro, perto do Hotel do Elevador, voltado para a cidade dando origem ao dito «ver Braga por um canudo», imortalizado por Rafael Bordalo Pinheiro no Álbum de Caricaturas António Maria, onde desfilam as principais personagens de Bordalo: o Zé Povinho, o Pist, o Arola e o Fagundes.
Mas do telescópio do século XIX, não conseguimos descortinar o seu rasto. Deve-se, portanto, ao Tenente-Coronel de Infantaria Lopes Gonçalves, que depois de abandonar a Presidência da Câmara de Braga assumiu a Presidência da Confraria do Bom Jesus do Monte, o interesse pela aquisição deste novo óculo de longo alcance, dotado de características únicas e de grande capacidade técnica, bem como uma lente especial ampliadora. Albano Justino Lopes Gonçalves tinha uma visão estratégica do turismo tanto para a cidade, como para o Bom Jesus, basta atentar nos artigos publicados num diário bracarense, intitulados «Turismo», em 1925. Dizia Lopes Gonçalves «que se deve aproveitar dos benefícios de uma indústria que, em alguns países, é explorada com tanta inteligência como proveito».
Segundo a ata da mesa administrativa, de 20 de dezembro de 1924, o telescópio foi adquirido à casa alemã Optische Anstalt C. P. Goerz, A.G., de Berlim - Friedenau (a ata refere Hamburgo), com uma objetiva de 130 milímetros de diâmetro, designado pelo catálogo como «Terrestre Observation Telescope». O laboratório Goerz era, na época, o mais especializado na produção de objetivas, telescópios e binóculos.
A ideia da compra do telescópio surge no embalo e no auge de tão grande entusiasmo com o sucesso do 1.º Congresso Eucarístico Nacional, do Congresso Agrícola Nacional e do Congresso Pedagógico dos Professores realizados em Braga; da inauguração do gabinete de leitura, biblioteca e museu do Bom Jesus; do Jubileu Episcopal de D. Manuel Vieira de Matos.
Com este telescópio terrestre foram despendidos dezasseis mil oitocentos e quarenta e três escudos e quarenta e três centavos, incluindo os direitos alfandegários e transportes, de acordo com a ordem de despesa datada de 15 de maio de 1925. Conforme a ata de 22 de maio, deste ano, o telescópio de visualização terrestre seria instalado provisoriamente na Meia Laranja e por cada observação de cinco minutos o forasteiro desembolsaria cinquenta centavos. Dada a afluência de público a esta infraestrutura, o monóculo recebeu uma cobertura em ferro, em 1944.
O «Canudo» foi submetido a uma recuperação integral das funções ótica e mecânica, através da conservação e restauro do aspeto estético e funções mecânicas originais, com o menor impacto possível e reversível, pois apresentava problemas ao nível da estrutura mecânica (tripé, suporte de amarração, carcaça, engrenagem da ocular e objetiva). Mantém a traça original, concretamente, os tons preto e branco sujo. Durante o processo de restauro e quando se procedeu à remoção da tinta que revestia o latão, foi possível aceder ao nome do fabricante e número de série, respetivamente, C.P. Goerz-Berlim, n.º 24844, bem como à gravação inserta no prisma, C.P.Goerz, Berlim, Prismenumkehrsatz, f. 6.40mm, nr. 22066.
Como qualquer história tem imagens de suporte, entidades materiais que se despegam das coisas, também aguardamos, dos vindouros, as palavras mais belas a partir da observação do telescópio, deste ícone da colina sagrada, singular atração turística centenária, para interagir e partilhar memórias.
José Carlos Gonçalves Peixoto
Mesário da Confraria do Bom Jesus do Monte