domingo, 30 de março de 2008

«MOCHO» DE TIBÃES, O «POETA» (5)

Quando regressava diariamente da cidade, a pé, depois de catorze quilómetros percorridos (ida e regresso), era abordado à entrada da aldeia pelos miúdos que lhe pediam: «Sr. Gonçalves queremos uma poesia?». Na hora e, de improviso, soltava alguns versos que enchiam de satisfação a rapaziada. Terminada a sessão dispersavam e o Sr. Gonçalves lá se dirigia para casa enfarinhar-se nos livros.
A prosa, modo de apresentar uma arquitectura do próprio pensamento, pode ser uma forma de poesia horizontal. Por sua vez, a forma curta de métrica poética, representaria uma nova forma de libertação da poesia, ou seja, António Gonçalves estava consciente da dicotomia entre poesia e prosa poética e exemplifica:
Um par de noivos,
Num carreiro escuro,
Ambos agarrados,
Como a hera ao muro.
Sente-se em António Gonçalves uma angústia existencial, uma busca ontológica da providência. Isso é evidente na sua poesia:
Enquanto meus olhos, num rezar ausente
Tristemente pousam numa sombra em cruz…
Uivos, alarido, silvos de serpente,
É Satam que passa em seu domínio ardente
Meu achar doente, sem achar Deus.
Mal fujo aturdido deste antro de treva,
Lá vem nova leva de escravos sem luz,
Vagamente buscam na distância a cruz.
Os habitantes da freguesia conhecem-no, fundamentalmente, por ser um poeta popular, que tinha sempre uma estrofe na ponta da língua:
Eia, pois, avante,
Santo Coração…
Porque a vida é «sim»,
porque a morte é «não».
Estes artigos foram possíveis pela amabilidade do Sr. Avelino Ribeiro da Silva por nos ter disponibilizado algum do seu espólio. O nosso reconhecido agradecimento.