domingo, 9 de março de 2008

ANTÓNIO GONÇALVES - «O MOCHO» (2)


Era um católico, crente em Deus, mas não praticante. Recebia sempre o compasso em sua casa, pela Páscoa, reservando sempre algum tempo para junto do pároco lhe indicar ou ler alguma passagem de um dos seus livros.
Tinha uma caligrafia bonita e uma escrita fluente, própria de quem domina os assuntos.
Nas Confissões de Santo Agostinho, anotou ele na contracapa do livro: «S.to Agostinho nasceu em Tagaste, na África do Norte, no ano de 354 e foi baptizado aos 33 anos de idade por S.to Ambrósio, então Bispo de Milão. Morreu em 420, como Bispo de Hipona, cuja sede ocupou durante 25 anos.
Foi uma alma muito penetrante por vezes, mas também foi contraditório e falho de serenidade. A ele se devem estas frases: - Não acreditaria nos Evangelhos se não mo ordenasse a autoridade da Igreja Católica …; Fora da Igreja não hà salvação…
As dificuldades de Santo Agostinho quanto á criação ex nihilo são evidentes nos livros onze e doze. Entretanto, como a criação ex nihilo faz parte do Credo de Nicéia, obrigatório na Igreja desde o ano da graça de 325, o Bispo de Hipona aceita ex professo a criação do mundo a partir do nada», ou seja, quando S.to Agostinho diz «Do nada, pois, Senhor, fizestes o céu e a terra», é, na opinião do «Mocho» , para não incorrer no anátema da igreja que, no Concílio de Niceia, formulara o dogma da criação ex nihilo.
No Livro décimo, ponto 12, A Memória e as Matemáticas, escreve S.to Agostinho: « Mas os números são uma coisa e as ideias que exprimem, outra». Relativamente ao pensamento de S.to Agostinho contrapõe o «Mocho» de Tibães: «As ideias que exprimem os números são abstracções algébricas. Embora as ideias matemáticas sejam abstractas elaborações do entendimento, parece muito provável que elas derivam de sensações concretas dos números, como diz William Dampier na sua História da Ciência: « Para nós, o conceito de número é-nos familiar».
No Livro onze, ponto 15, As três divisões do tempo, escreve, igualmente, S.to Agostinho: «Logo o tempo presente não tem nenhuma extensão». Acrescenta António Gonçalves, «o Mocho» de Tibães: «O mesmo acontece ao ponto geométrico, é inextenso». Mais à frente esclarece o seu pensamento: «se o presente não tem extensão, também a não tem, nem o passado nem o futuro, o passado já foi presente e o futuro há-de sê-lo. Mas será assim? O ponto geométrico é inextenso e, no entanto, a linha e a superfície já são extensas».
Também no Livro onze, ponto 24, O Tempo não é o Movimento dos Corpos, Escreve S.to Agostinho: «Portanto sendo diferentes o movimento do corpo e a medida da duração do movimento, quem não vê qual destas duas coisas se deve chamar tempo?» Responde o Sr. Gonçalves: «O tempo é a meu ver um reflexo da eternidade. Se a matéria e a energia se conservam, porque não há-de conservar-se o espírito, assegurando-nos o acesso à vida eterna? Os materialistas, positivistas, ou relativistas consideram o tempo, o espaço e a vida, como propriedades da matéria, no que se enganam. Dizer que o espaço é propriedade dos objectos que o ocupam é dizer que o mar é propriedade dos peixes».
Para rematar o livro Onze de S.to Agostinho, o «Mocho» desenvolve o seu pensamento: «É verosímil que antes da criação da matéria, do tempo e do espaço, Deus criasse os seres espirituais. Orígenes, que Augusto Messer (História da Filosofia) apresenta como o maior sábio da sua época, ensinava que a criação do mundo foi feita a partir da eternidade, como a geração de Cristo, porque o poder e a bondade de Deus não poderiam existir sem um mundo onde se manifestassem. De acordo com isto, Orígenes, acredita na preexistência das almas».
Relativamente ao Livro doze, capítulo 6, O Conceito de Matéria, S. Agostinho concebia um meio termo entre a forma e o nada, que não fosse nem forma nem nada, mas um ser informe próximo do não-ser. António Gonçalves acrescenta esta nota, a distinção entre o nada absoluto e o nada relativo é artificial. O nada é nada, por abstracção de tudo, embora seja impensável.
Nesta análise, António Gonçalves deixa transparecer, por fim, o seu pensamento: « eu até creio na supereternidade do criador…; Acaso, possibilidades, probabilidades, futuridades, tudo foi criado por Deus.