terça-feira, 25 de março de 2008

O «MOCHO», FILÓSOFO E HOMEM DE FÉ (4)

«Mocho» era alcunha de António Gonçalves. Na sua casa havia, mesmo, um mocho em bronze no interior de um nicho.
Sobre a Ciência tinha uma perspectiva interessante. Para ele, a Ciência brinca com as ideias, como as crianças brincam com as areias na praia. A Ciência, em seu entender, é irmã gémea da arte, ou, como dizia Platão, a beleza é o resplendor da verdade.
Como foi em artigo anterior, embora não frequentasse a Igreja era, no entanto, um homem de fé.
Quando B. Kuznetsov comenta a vida privada de Einstein, recordando que era um espírito continuamente activo pois nem mesmo às horas da refeição descansava, por esta razão o seu casamento começou a desmoronar-se e o desacordo com Mileva intensificou-se. Sobre esta atitude de Einstein, António Gonçalves, escreve que isto lhe faz lembrar Bertrand Russell e vai mais longe: «tal, como eu, dificuldades matrimoniais … Que me sirva de consolação…».
Na sua ilustrada biblioteca figuravam os dois volumes de B. Kuznetsov sobre Albert Einstein. Nos comentários que produziu nas margens destes livros, podemos sintetizar as suas ideias:
- a consciência da humanidade que a base das religiões superiores expressas nas várias civilizações revela a cada passo a sua origem divina;
- Cristo é o símbolo da fusão de Deus e da humanidade;
- era preciso «canonizar» o materialismo;
- nem espaço, nem tempo, nem causalidade são materialidades puras, mas são provavelmente atributos da omnipotência divina, criadora do universo e das leis que o regem;
- o espaço e o tempo não podem adicionar-se, por serem categorias de natureza distinta: o espaço do mundo é finito; mas o tempo é infinito;
- o critério Einsteineano de «perfeição interna» e de «confirmação externa» são equivalentes à revelação transcendental de origem divina;
- a fé íntima de Einstein na harmonia de um mundo cognoscível era uma fonte das intuições internas, que lhe alimentaram o espírito.
Os seus comentários aos dois volumes de Kuznetsov sobre Albert Einstein terminam com uma afirmação surpreendente: «o erro de Einstein consiste fundamentalmente em atribuir ao espaço e ao tempo uma estrutura atómica, como se houvesse átomos de espaço ou átomos de tempo. É aqui que naufragam as teorias da relatividade de Einstein e o seu princípio da causalidade».
Outro livro objecto da sua análise, era da autoria de João Ameal intitulado São Tomaz de Aquino. Também aqui abundam as suas proposições:
- a inteligência busca a presença da causa em tudo, excepto em Deus, mas Deus não podia ser nosso Pai, se Cristo não fosse nosso irmão desde a eternidade;
- é provável que a razão humana seja uma revelação natural do criador;
- maior e menor são termos relativos às coisas extensas, isto é, a coisas existentes no espaço.
Deus não é maior nem menor, porque não é extenso nem existe no espaço nem no tempo, como a natureza, mas é eterno e imenso, isto é, preexistente ao espaço e ao tempo;
- enquanto a natureza, ou Universo, não foi criada, embora já existisse no projecto divino, faltava-lhe a perfeição da realidade objectiva;
- não nos é vedado, em absoluto, o conhecimento da essência de Deus, visto que sabemos que é essencialmente activo, criador, eterno e imutável, etc, o que já não é pouco e nos prepara para um conhecimento melhor;
- a propósito da expressão «primeiro motor imóvel» de São Tomaz de Aquino, argumenta que não gosta da designação de «motor» aplicada a Deus. Deus não é motor de qualquer tipo preexistente da matéria, mas sim Criador do Universo a partir do zero… é da omnipotência divina que dimana a potência e o acto de criar o universo, a partir do zero;
- para António Gonçalves é inequívoca a expressão «Deus existe na eternidade». Não há nenhuma eternidade distinta de Deus. Deus é que tem necessariamente o atributo da eternidade;
- se houvesse vários Deuses, nenhum deles seria infinito… e nenhum deles seria Deus;
- comentando a solução dos maniqueus, adianta que sem a experiência do bem e do mal, não haveria consciência humana, nem humana liberdade.
Quando comenta uma expressão que vem no livro Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Auto-Percepção, textos estabelecidos e prefaciados por Jacinto Prado Coelho e Georg Rudolf Lind, «Regresso aos Deuses», ele comenta: ao contrário, comungo com Erasmo no Regresso a Cristo».